A sacolinha: vilã, vítima ou bode expiatório?

Ao consumidor compete fazer uso racional do plástico nas suas inúmeras formas e principalmente quando a este produto não for dada uma utilidade de reutilização continuada. Reduzir seu consumo, quando possível, e dar ao plástico um destino que minimize sua agressão ao Meio Ambiente, será uma atitude proativa em favor do Meio Ambiente e para o bolso de quem o adquire ou fornece.

Por Osvaldo Tadeu Fernandes Monteiro*
*O Autor é Escrevente técnico judiciário do TJSP; bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM, São Paulo-SP e em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP, Jacarezinho-PR. E-mail otf.monteiro@terra.com.br 


A sacolinha: vilã, vítima ou bode expiatório?
                                                                                                                          

Os supermercados devem cortar o fornecimento das sacolinhas plásticas para seus clientes?
Há controvérsias.
Por quê? A princípio, as sacolinhas plásticas poluem.
Afinal, o que polui é a sacolinha ou quem dá destino incorreto a elas?
O tema de fundo é a proteção ambiental. Mas podem existir outros temas importantes, não tratados explicitamente, embutidos na discussão sobre o fornecimento das sacolinhas. Por exemplo, o seu custo; a campanha publicitária organizada pela APAS (Associação Paulista de Supermercados), denominada “Vamos Tirar o Planeta do Sufoco”. O poder público também tem incentivado a substituição e eliminação das sacolinhas com campanhas institucionais.
A discussão por quem prega a eliminação das sacolinhas, que em última análise visa diminuir a agressão humana ao Meio Ambiente, centra o foco crítico na sua extinção, desprezando a pessoa do consumidor e evitando colocar em discussão outros possíveis agentes e atores poluidores, talvez até mais agressivos ao Meio Ambiente.
O debate sobre a sacolinha plástica, como elemento altamente poluidor, teve início em 2007, talvez por conta do filme-documentário “An Inconvenient Truth” (Uma verdade inconveniente), protagonizado pelo norte-americano Al Gore, vice-presidente dos Estados Unidos entre 1993/2001, sobre o aquecimento global.
Inúmeros municípios brasileiros aprovaram leis para proibir o fornecimento de sacolinhas pelos supermercados, inclusive em algumas capitais como São Paulo, Recife, Florianópolis, etc.[1]. Todavia, algumas dessas leis foram consideradas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, como as aprovadas pelo município de Guarulhos/SP[2] e também de São Paulo/SP[3]. É certo que algumas decisões estão sub judice, em grau de recurso.
A imposição legal para proibir o fornecimento das sacolinhas tem causado temor de desemprego generalizado na indústria deste ramo de produto e foi recebida com acentuada antipatia pelos consumidores, tolhidos do tradicional meio de transporte para acondicionarem os produtos que adquiram nos supermercados.  Principalmente pelos trabalhadores, ao retornarem do supermercado para suas residências, após um longo dia de serviço, com as compras na mão.
As sacolinhas podem ser um problema de difícil solução e com graves conseqüências para o Meio Ambiente. Exige forte mudança de hábitos. Mas a supressão, na opinião de estudiosos, pode ocasionar problemas tão sérios quanto o seu descarte inadequado.
 Na utilização do plástico, seja para a produção de sacolinhas ou de qualquer outro produto destinado ao consumidor final, principalmente pessoa física, não existe um vilão preponderante. E a urgência por alternativas ambientais menos impactantes é inquestionável. Difícil é dizer qual solução tecnológica disponível atualmente seja a ideal. A indústria nacional já desenvolveu polímeros que dão origem ao produto denominado plástico a partir da matéria-prima vegetal (cana-de-açúcar e milho). São os denominados plásticos biodegradáveis, oxibiodegradáveis e verdes, cujos conceitos são amiúde confundidos. Mesmo sendo plásticos resultantes de resina de origem vegetal, eles podem ser considerados poluentes.
Das alternativas existentes, encontra-se no mercado:
a) o plástico denominado verde, feito de cana-de-açúcar. Sua cadeia de produção é ecologicamente menos agressiva e aprisiona CO², mas não é biodegradável. Não se decompõe. O seu descarte inadequado trará os mesmos inconvenientes do plástico tradicional. E é mais caro;
b) o plástico oxibiodegradável contém aditivo acelerador para sua degradação, podendo se decompor num prazo de 18 a 24 meses, mas não se submete a reciclagem mecânica[4]. É mais caro que o tradicional e
c) o plástico biodegradável, produzido a partir do milho que, segundo os fabricantes, decompõe-se em aproximadamente seis meses em usinas de compostagem, raras ainda no Brasil. Seu custo também é superior ao do plástico tradicional.[5]
A substituição pela sacolinha oxibiodegradável não parece ser a alternativa mais adequada, pois ela também polui o Meio Ambiente, apesar de sua decomposição ser mais rápida. É o que diz Haroldo Mattos de Lemos, professor de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao afirmar “que adotar estas sacolas basicamente significa substituir uma poluição visível por outra que é invisível, mas que é também bastante danosa ao ecossistema”. Ainda segundo o professor, “a liberação de gás carbônico durante a decomposição deste material que, em contraste às sacolas tradicionais, ocorre de forma mais rápida e, portanto, é mais impactante. Além disso, a adoção deste material pode incentivar as pessoas a serem menos zelosas com a destinação das mesmas, ao considerarem sua decomposição rápida" [6].
Em recente debate promovido pela OAB – Seção de São Paulo, (29/03/2012 – Sacolas Plásticas – aspectos jurídicos e do consumidor), concluiu-se “que a proibição sobre a distribuição de sacolas plásticas irá fomentar demissões em massa no setor e prestigiar o pólo fabril estrangeiro, em detrimento do nacional...” (há importação de sacolinhas alternativas da China e Vietnã[7]), “além de desamparar o consumidor, que tem o direito a embalagens para carregar suas compras...” Os debatedores lembraram “que as sacolas plásticas compreendem 1% das despesas dos supermercados e que essa margem não vem sendo abatida do preço final dos produtos e repassada para os consumidores”. Discutiu ainda no debate os possíveis desdobramentos da extinção das sacolinhas, como o destino do lixo urbano doméstico, pois a população habituou-se a utilizar as sacolinhas para acondicionar o lixo caseiro.[8]
Causa estranheza a maioria das leis que proíbem o fornecimento de sacolinhas pelos supermercados não proibirem a venda de sacos de lixo ou sacolas pelo comércio de produtos de plástico em geral, cujo tempo para decomposição é bem maior, já que possuem densidade superior à das sacolinhas dos supermercados.
A campanha publicitária desenvolvida pela APAS, denominada “Vamos Tirar o Planeta do Sufoco”, para incentivar o consumidor a substituir as sacolinhas plásticas foi alvo de críticas dos setores industriais atingidos por sua proibição, especialmente as críticas provenientes da Plastivida Instituto Sócio Ambiental de Plásticos, que promoveu uma representação contra a campanha da APAS, junto ao CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), cujo efeito a foi determinação para a suspensão imediata da campanha publicitária contra as sacolinhas plásticas.
Segundo a Plastivida “em momento algum da campanha, a Associação informou ao cidadão que os custos das sacolas já estão embutidos no preço dos produtos e que, apesar de deixar de distribuí-las, estas continuam a ser cobradas indiretamente, caracterizando claro prejuízo econômico ao consumidor, sem qualquer vantagem” [9], enquanto que para os supermercados, as sacolinhas efetivamente têm um custo que é repassado para o consumidor. Na avaliação do professor de economia da PUC de Campinas/SP, Cândido Ferreira da Silva Filho, “As sacolinhas distribuídas hoje representam um custo para os supermercados, e esse valor já é repassado aos consumidores. Se a economia que eles farão a partir de agora for repassada ao cliente através de descontos nos produtos, então há alguma vantagem para quem compra. Mas se isso não ocorrer, e de forma imediata, o resultado será que o setor vai reduzir custos e aumentar o lucro, já que além das sacolas reutilizáveis os clientes terão que comprar mais sacos de lixo” [10].
Não existe a opção perfeita. Ao consumidor compete fazer uso racional do plástico nas suas inúmeras formas e principalmente quando a este produto não for dada uma utilidade de reutilização continuada. Reduzir seu consumo, quando possível, e dar ao plástico um destino que minimize sua agressão ao Meio Ambiente, será uma atitude proativa em favor do Meio Ambiente e para o bolso de quem o adquire ou fornece.
De fato, os alimentos, bebidas, produtos para higiene pessoal ou coletiva, etc., continuarão a ser acondicionados em recipientes produzidos com vidro ou plástico, enquanto uma solução ecologicamente melhor não for desenvolvida.
O destino das sacolinhas insere-se na discussão dos interesses econômicos e políticos, seja dos supermercados, do Poder Público e do consumidor, ator coadjuvante dessa discussão. O consumidor é agente ativo e passivo integrante do Meio Ambiente e está protegido especificamente pelo CDC – Código de Defesa do Consumidor, particularmente tutelado sob o aspecto econômico pelo seu artigo 39, incisos V e X[11].      
Em recente iniciativa para garantir a distribuição de sacolas plásticas pelos supermercados no Estado de São Paulo, o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idecon); a Plastivida Instituto Sócio Ambiental do Plástico e a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief), estas duas últimas na condição de litisconsorte ativo, ingressaram dia 16 de abril último com mandado de segurança na Vara Privativa da Fazenda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo buscando preservar o direito dos consumidores e assegurar aos varejistas a possibilidade de continuar a distribuição das sacolinhas[12] (Processo: 0014114-62.2012.8.26.0053). Foi indeferida a liminar, mas o processo segue até o julgamento do mérito do mandado de segurança[13].
O impasse continua. Sacolinha: ame-a ou a odeie. Talvez o meio-termo.
A defesa do Meio Ambiente deve ser a defesa dos interesses sociais sob uma ótica holística. Por isso o Estado não pode ser demagogo, o empresário não deve ser oportunista e o consumidor precisa ter uma atitude responsável.
A conduta sobre o uso e destino dos materiais plásticos, incluindo o uso das sacolinhas, é uma via de mão dupla e a mudança de hábito se impõe para os consumidotes e para os setores produtivos, com o envolvimento da indústria que produz e utiliza o plástico, dos supermercados, e do Poder Público, de modo a extrair do Meio Ambiente matéria-prima em ritmo capaz de preservar os recursos e estabelecendo-se condições para a existência saudável das presentes e futuras gerações, nos termos do artigo 225 da CRFB e legislação decorrente.

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 [1] http://www.cnc.org.br/noticias/veja-como-esta-legislacao-sobre-sacolas-plasticas-no-brasil
[2] http://www.memes.com.br/jportal/portal.jsf?post=33580
[3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1011265-cai-lei-que-proibe-sacolas-plasticas-no-varejo-em-sao-paulo.shtml
[4] A reciclagem mecânica consiste na conversão dos descartes plásticos pós-industriais ou pós-consumo em grânulos que podem ser reutilizados na produção de outros produtos, como sacos de lixo, solados, pisos, conduítes, mangueiras, componentes de automóveis, fibras, embalagens não-alimentícias e muitos outros. Essa reciclagem possibilita a obtenção de produtos compostos por um único tipo de plástico, ou produtos a partir de misturas de diferentes plásticos em determinadas proporções. Estima-se que no Brasil sejam reciclados mecanicamente 15% dos resíduos plásticos pós-consumo (site: http://www.plastivida.org.br/2009/Reciclagem_Mecanica.aspx).
[5] http://viajeaqui.abril.com.br/materias/plastico-biodegradavel-verde-e-oxibiodegradavel-qual-a-diferenca
[6] ://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/compreendendo-que-sao-sacolas-oxibiodegradaveis.htm
[7] http://www.ideconbrasil.org.br/noticias_interna.php?id=1564
[8] http://www.oabsp.org.br/noticias/2012/03/30/7817
[9] http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/infomoney/2012/03/09/conar-suspende-campanha-da-apas-contra-as-sacolas-plasticas.jhtm
[10] http://correio.rac.com.br/correio-popular/noticias--correio-popular/103540/2012/01/24/fim-das-sacolinhas-afeta-mais-o-bolso.html
[11] CDC – Lei 8.078/90, Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: ... V- exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;... X- elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviço;...
[12] http://www.plastivida.org.br/2009/Noticias_2012_026.aspx
[13] http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?processo.codigo=1H0003WIY0000&processo.foro=53


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