OS BARRIGAS AMARELAS !

 

Chega de usina em Piraju!

*Fernando Franco Amorim

Especial para o 360

Sim, somos Barrigas Amarelas”, Teyque-Pe, Kaiowá com muito orgulho! Nascemos e fomos criados dentro do “Panema” e, o rio, como diz o poeta “nos atravessa por inteiro e fica na memória”. Hoje, quando se comemora o aniversário de Piraju, os homenageados são, além do padroeiro São Sebastião e a cidade, também o povo bravio e íntegro desta cidade linda que luta incansavelmente para preservar, conservar e proteger este que é o maior patrimônio ambiental, histórico e cultural da Estância: o rio Paranapanema.

As raízes ambientalistas dos pirajuenses são profundas e fortes. Desde a década de 70, da infeliz tentativa da Braskraft de destruir o rio, os “Barrigas Amarelas” lutam para manter a integridade das corredeiras do Paranapanema. O rio está tão entranhado no pirajuense, que molda nosso modo de “ser” e “ver o mundo”, através de suas águas lóticas verde-esmeralda, de suas corredeiras cheias de histórias, repleta de vida e pedras basálticas, de margens de um verde tão intenso que nos dá muita paz e força espiritual para prosseguir lutando.

Quem são afinal os “Barrigas Amarelas” que estão por toda parte? São todas as pessoas, nascidas ou não em Piraju, que têm no coração o amor incondicional por esta cidade incrível e pelo rio que atravessa a cidade ao meio, deixando um rastro de beleza cênica inigualável e lugares incríveis a serem descobertos. 

O “Panema”, tão ferido por 11 barragens de usinas hidrelétricas em seu curso, é a identidade cultural do pirajuense, é a nossa cara, é o nosso “eu” mais explícito, nosso rumo nesse mundo sem prumo que estamos vivendo atualmente. É nosso porto seguro. É nossa esperança em dias melhores. Há um tanto de nós naquelas águas que vão abrindo caminho rio abaixo. Somos parte desse rio e ele é parte de nós.

Esse rio de inspirações e de tantas “canções de rio”, música molhada nos trastes do violão do poeta, do cancioneiro, brisa de rio no peito aberto ao sol, naquele cartão postal que se abre diante de nós todos os dias. Por isso, o rio é tão importante para o povo de Piraju. Somos devotos de São Sebastião e desse rio que nos enche de alegrias e de emoção com amor e muito sentimento o tempo todo. É assim que esse rio age em nossos corações e mentes.

Sua natureza e seu simbolismo está em nós desde sempre, desde o aldeamento dos índios guaranis Kaoiwás que habitavam às margens do Salto do Piraju, local conhecido como Garganta (no Parque da Fecapi) e que é considerado a certidão de nascimento de Piraju, antigamente chamada São Sebastião do Tijuco Preto, que era um peabyru, ou seja, antigas trilhas indígenas que serpenteavam ao longo do Vale do Paranapanema. Eles buscavam o caminho de entrada (Teyque-Pe) para a “Terra sem mal”, onde poderiam finalmente viver em paz e livre da perseguição dos “homens brancos”.

Atravessamos a imensidão para defender nosso modo de viver e sentir esse rio de nossas vidas. Criamos leis para proteger sua essência e estamos sempre atentos aos invasores e barrageiros sem escrúpulos, que querem a todo custo, destruir seu curso natural, barrando suas corredeiras. A cidade está no rio e o rio está na cidade, atravessa a cidade ao meio, impregnando sua gente com sua beleza, sua força e seu movimento rio abaixo.

Nas escolas municipais as crianças aprendem a amá-lo através de uma extensa e importante grade curricular sobre a história desse rio que se confunde com a própria histórica da cidade, numa clara demonstração de que tudo está interligado na natureza. Um exemplo de cidadania ambiental sem precedentes no mundo. Uma força nobre e eficaz que lança luz e respeito à natureza e ao ser humano, onde os educadores e professores pirajuenses, por meio da transversalidade do método ensino-aprendizagem, vivências e saberes, são como agricultores a lançar sementes de amor nessa terra fértil, que é o coração de uma criança ávida por conhecimento e saber.

Hoje celebramos a natureza integradora do rio Paranapanema na vida da comunidade “Barriga Amarela”. O rio está nas canções, nos poemas, na pintura, nas artes em geral e no imaginário do pirajuense, onde quer que ele esteja no mundo.

Em uma de suas “canções de rio” mais significativas, o poeta e músico pirajuense Paulo Viggu sintetiza de forma inequívoca o senso de pertencimento dos “Barrigas Amarelas” em relação ao rio e à posição clara da população quanto à destruição de suas corredeiras por mais uma usina hidrelétrica (basta, já temos muitas!), quando canta: “O rio daqui é meu. O rio daqui é seu. Mas gosto mesmo é quando a água passa e vai embora”.

Por isso, os “Barrigas Amarelas” gritam: Chega de usina em Piraju!

 

*Biólogo, jornalista, ex-presidente da Organização Ambiental Teyque-Pe (OAT)

francopiraju@gmail.com 

Artigo original em homenagem aos 141 anos de PIRAJU-SP e 160 anos da Festa do Padroeiro São Sebastião para o Jornal 360, edição 180, pagina 5, Santa Cruz do Rio Pardo-SP

https://issuu.com/caderno360/docs/360_ed180_jan2021

Foto: Fernando Franco Amorim

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