PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO - Todo Município necessita ter um - 1ª Parte


*Oswaldo Tadeu Fernandes Monteiro
Bacharel em Direito e pesquisador do Direito Ambiental e do Consumidor

otf.monteiro@terra.com.br

Primeira parte
Um olhar retrospectivo
                        O saneamento está ligado inevitavelmente à história do acesso a água e às suas formas de obtenção, retenção e utilização.
Prisioneiros transportando lixo, Hamburg , 1609
Figura extraída do livro “LIXO a Limpeza Urbana Através dos Tempos” 
de Emílio Maciel Eigenheer, edição de 2009

O consumo de água contaminada dizimou várias populações pelo mundo, como aconteceu na Europa do século XIV, vitimadas por epidemias ou na Índia em 1896, quando, em 12 anos, aproximadamente 10 milhões de pessoas sucumbiram. A dinâmica humana pelo desenvolvimento econômico e tecnológico é assombrosa e a fuga do meio rural foi uma conseqüência natural do que poderíamos denominar de diáspora urbana. Cidades se formaram com pessoas vivendo em condições precaríssimas, acometidas por doenças que conduziram a níveis de mortalidade alarmantes. A publicação Saneamento Básico
para Gestores Públicos, 2009, editada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), esclarece que as autoridades públicas da Inglaterra e França, a partir de meados do século XIX, iniciaram a implantação do saneamento e da administração e legislação correspondentes. A Inglaterra introduziu um sistema de redes de esgoto que transferia as águas usadas para os cursos d’água. Os resíduos industriais foram incluídos na lei britânica de controle de poluição das águas em 1833. A França implantara a medicina urbana com o objetivo de sanear os espaços das cidades e disciplinar a localização dos cemitérios e hospitais e arejar as ruas, as construções públicas e isolar áreas epidêmicas. A visão higienista tornou-se dominante no século XIX e início do século XX, na Europa.
                        O saneamento e o estigma do Jeca Tatu
                        O jornal A Província de São Paulo, atual O Estado de São Paulo, edição de 22 de dezembro de 1889, obtido no link Acervo do site Estadão, mostra que no final do século XIX, a Província de São Paulo já tinha preocupação com o saneamento. Um dos projetos para o saneamento da Varzea do Carmo, região do mercadão na capital paulista, invocava interessantes argumentos propostos na época, e de cujo conteúdo transcrevemos alguns trechos, preservando a grafia original: “§Principalmente sob o ponto de vista da hygiene, não se comprehende que tenham consentido na existência desse vasto fóco de infecção tão prejudicial á saúde publica os illms. srs. vereadores desta cidade [...] §A Idéa, porém, mais geralmente attendida tem sido a do exclusivo embeilezamento da area dos terrenos publicos e não se tem preoccupado muito com as questões technicas necessarias para dissecal-a, aterral-a e sanifical-a, de accôrdo com os interesses geraes e particulares.” Percebe-se nos motivos do projeto uma crítica à importância do aspecto estético que prevalecia e comprometia demasiadamente a saúde pública. Os interesses econômicos governamentais e particulares sucessivos não deixam dúvida de que as políticas públicas para o saneamento básico mostraram-se de eficácia inexpressiva ou nula, ante os baixos índices de salubridade das cidades brasileiras, significativamente nas regiões urbanas.
                        As prioridades públicas desconsideraram por décadas os pilares do saneamento básico: abastecimento de água tratada, esgotamento sanitário, gestão dos resíduos sólidos e das águas pluviais. Por conta dessa realidade, alguns extratos populacionais têm sido historicamente violentados pelo baixo nível de sanidade ambiental, decorrente de sua interação com esse ambiente hostil (o Panorama do Saneamento Básico do Brasil - Análise situacional do déficit em saneamento básico, volume II, publicado pelo Ministério das Cidades, menciona que dentre os fatores que determinam as condições inadequadas de habitação, em especial dos segmentos de baixa renda e população afro-descendente, o principal deles está na inexistência de soluções adequadas para o esgotamento sanitário e abastecimento de água potável, agravado pelo adensamento excessivo) que impulsiona grande número de pessoas para doenças transmitidas pela esquistossomose, indicador de que a população utilizou ou fez uso de corpos d’água contaminados por excremento humano; pela dengue, indício de que o infectado vive em ambiente onde ocorre intermitência do abastecimento de água, reservação inadequada e acúmulo de resíduos sólidos nos domicílios, em logradouros e em terrenos baldios, favorecendo o acúmulo de água parada no ambiente e pela leptospirose, sinal de limpeza pública inadequada e manejo incorreto dos resíduos sólidos e das águas pluviais, favorecendo a proliferação de ratos e o contato com a água contendo a bactéria Leptospira. A cidade de Piraju não tem registrado número significativo de casos de transmissão das doenças indicadas. Mas não devemos relaxar nos cuidados com o saneamento, porque além das enfermidades relacionadas devemos nos preocupar com doenças como a febre maculosa, transmitida pelo carrapato estrela, como a febre amarela transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, como a hepatite, transmitida por água e alimentos contaminados ou dejetos humanos.
                        Na região sudeste do país a grande preocupação é com a transmissão do vírus da dengue pelo mosquito Aedes aegypti, cuja multiplicação encontra condições favoráveis no verão, assinala o epidemiologista Paulo Sabroza em entrevista para a Agência Fiocruz de Notícias. O epidemiologista ressalta que o índice de infestação dos domicílios deveria ser medido periodicamente e os resultados publicados imediatamente, para que a coletividade e as autoridades, num esforço conjugado, atuassem na eliminação dos grandes criadouros e desenvolvessem armadilhas para captura das fêmeas adultas do mosquito, as verdadeiras transmissoras. A realização dessa tarefa não depende só das autoridades nem só dos indivíduos. “Ela exige a mobilização de algo que está na interface entre autoridades e indivíduos: a coletividade organizada”, disse o estudioso.
                        Diante desse quadro preocupante, o trabalho bem-intencionado do Poder Público com a população talvez altere a figura do personagem literário jeca tatu, de Monteiro Lobato, que menosprezava o homem do campo, tido por desmotivado, de índole preguiçosa. O próprio Monteiro Lobato, após conhecer a realidade sanitária brasileira através de pesquisadores como o sanitarista Belisário Penna, penitenciou-se sobre o caráter do seu caipira, tanto que na quarta edição do livro Urupês, prefacia nos seguintes termos: "Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte." Texto extraído do site da Agência Fiocruz de Notícias.

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