*Oswaldo Tadeu Fernandes Monteiro
Bacharel
em Direito e pesquisador do Direito Ambiental e
do Consumidor
otf.monteiro@terra.com.br
Primeira parte
Um olhar retrospectivo
O consumo de água contaminada
dizimou várias populações pelo mundo, como aconteceu na Europa do século XIV,
vitimadas por epidemias ou na Índia em 1896, quando, em 12 anos, aproximadamente
10 milhões de pessoas sucumbiram. A dinâmica humana pelo desenvolvimento
econômico e tecnológico é assombrosa e a fuga do meio rural foi uma
conseqüência natural do que poderíamos denominar de diáspora urbana. Cidades se
formaram com pessoas vivendo em condições precaríssimas, acometidas por doenças
que conduziram a níveis de mortalidade alarmantes. A publicação Saneamento Básico
para Gestores Públicos, 2009, editada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), esclarece que as autoridades públicas da Inglaterra e França, a partir de meados do século XIX, iniciaram a implantação do saneamento e da administração e legislação correspondentes. A Inglaterra introduziu um sistema de redes de esgoto que transferia as águas usadas para os cursos d’água. Os resíduos industriais foram incluídos na lei britânica de controle de poluição das águas em 1833. A França implantara a medicina urbana com o objetivo de sanear os espaços das cidades e disciplinar a localização dos cemitérios e hospitais e arejar as ruas, as construções públicas e isolar áreas epidêmicas. A visão higienista tornou-se dominante no século XIX e início do século XX, na Europa.
para Gestores Públicos, 2009, editada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), esclarece que as autoridades públicas da Inglaterra e França, a partir de meados do século XIX, iniciaram a implantação do saneamento e da administração e legislação correspondentes. A Inglaterra introduziu um sistema de redes de esgoto que transferia as águas usadas para os cursos d’água. Os resíduos industriais foram incluídos na lei britânica de controle de poluição das águas em 1833. A França implantara a medicina urbana com o objetivo de sanear os espaços das cidades e disciplinar a localização dos cemitérios e hospitais e arejar as ruas, as construções públicas e isolar áreas epidêmicas. A visão higienista tornou-se dominante no século XIX e início do século XX, na Europa.
O saneamento e o estigma do Jeca Tatu
O
jornal A Província de São Paulo,
atual O Estado de São Paulo, edição
de 22 de dezembro de 1889, obtido no link Acervo do site Estadão, mostra que no final do século XIX, a Província de São
Paulo já tinha preocupação com o saneamento. Um dos projetos para o saneamento
da Varzea do Carmo, região do mercadão na capital paulista, invocava
interessantes argumentos propostos na época, e de cujo conteúdo transcrevemos
alguns trechos, preservando a grafia original: ҤPrincipalmente sob o ponto de
vista da hygiene, não se comprehende que tenham consentido na existência desse vasto
fóco de infecção tão prejudicial á saúde publica os illms. srs. vereadores
desta cidade [...] §A Idéa, porém, mais geralmente attendida tem sido a do
exclusivo embeilezamento da area dos terrenos publicos e não se tem preoccupado
muito com as questões technicas necessarias para dissecal-a, aterral-a e
sanifical-a, de accôrdo com os interesses geraes e particulares.” Percebe-se
nos motivos do projeto uma crítica à importância do aspecto estético que
prevalecia e comprometia demasiadamente a saúde pública. Os interesses
econômicos governamentais e particulares sucessivos não deixam dúvida de que as
políticas públicas para o saneamento básico mostraram-se de eficácia
inexpressiva ou nula, ante os baixos índices de salubridade das cidades
brasileiras, significativamente nas regiões urbanas.
As
prioridades públicas desconsideraram por décadas os pilares do saneamento
básico: abastecimento de água tratada, esgotamento sanitário, gestão dos
resíduos sólidos e das águas pluviais. Por conta dessa realidade, alguns
extratos populacionais têm sido historicamente violentados pelo baixo nível de
sanidade ambiental, decorrente de sua interação com esse ambiente hostil (o Panorama do Saneamento Básico do Brasil -
Análise situacional do déficit em saneamento básico, volume II, publicado
pelo Ministério das Cidades, menciona que dentre os fatores que determinam as
condições inadequadas de habitação, em especial dos segmentos de baixa renda e
população afro-descendente, o principal deles está na inexistência de soluções
adequadas para o esgotamento sanitário e abastecimento de água potável,
agravado pelo adensamento excessivo) que impulsiona grande número de pessoas
para doenças transmitidas pela esquistossomose, indicador de que a população
utilizou ou fez uso de corpos d’água contaminados por excremento humano; pela
dengue, indício de que o infectado vive em ambiente onde ocorre intermitência
do abastecimento de água, reservação inadequada e acúmulo de resíduos sólidos
nos domicílios, em logradouros e em terrenos baldios, favorecendo o acúmulo de
água parada no ambiente e pela leptospirose, sinal de limpeza pública
inadequada e manejo incorreto dos resíduos sólidos e das águas pluviais,
favorecendo a proliferação de ratos e o contato com a água contendo a bactéria
Leptospira. A cidade de Piraju não tem registrado número significativo de casos
de transmissão das doenças indicadas. Mas não devemos relaxar nos cuidados com
o saneamento, porque além das enfermidades relacionadas devemos nos preocupar
com doenças como a febre maculosa, transmitida pelo carrapato estrela, como a febre
amarela transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, como a hepatite, transmitida
por água e alimentos contaminados ou dejetos humanos.
Na
região sudeste do país a grande preocupação é com a transmissão do vírus da
dengue pelo mosquito Aedes aegypti, cuja multiplicação encontra condições
favoráveis no verão, assinala o epidemiologista Paulo Sabroza em entrevista
para a Agência Fiocruz de Notícias. O epidemiologista ressalta que o índice de
infestação dos domicílios deveria ser medido periodicamente e os resultados
publicados imediatamente, para que a coletividade e as autoridades, num esforço
conjugado, atuassem na eliminação dos grandes criadouros e desenvolvessem
armadilhas para captura das fêmeas adultas do mosquito, as verdadeiras
transmissoras. A realização dessa tarefa não depende só das autoridades nem só
dos indivíduos. “Ela exige a mobilização de algo que está na interface entre
autoridades e indivíduos: a coletividade organizada”, disse o estudioso.
Diante
desse quadro preocupante, o trabalho bem-intencionado do Poder Público com a
população talvez altere a figura do personagem literário jeca tatu, de Monteiro
Lobato, que menosprezava o homem do campo, tido por desmotivado, de índole
preguiçosa. O próprio Monteiro Lobato, após conhecer a realidade sanitária
brasileira através de pesquisadores como o sanitarista Belisário Penna,
penitenciou-se sobre o caráter do seu caipira, tanto que na quarta edição do
livro Urupês, prefacia nos seguintes
termos: "Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças
tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim
zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio,
molenga, inerte." Texto extraído do site da Agência Fiocruz de Notícias.
LINK DA VERSÃO PARA IMPRESSÃO
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